Incentivos monetários para promover a formalização dos trabalhadores: programas piloto no Brasil e no México


13 April 2023

A economia informal no Brasil, assim como em outros países da América Latina, representa uma parcela significativa de emprego e renda para os jovens. Além disso, a informalidade também vem contribuindo para a recuperação das distorções ocorridas no mercado de trabalho durante a pandemia COVID-19, com o emprego informal representando 43 por cento do número de empregos ganhos (empregos criados menos empregos perdidos) no Brasil entre os terceiros trimestres de 2020 e 2022 (OIT, 2023).

Como mostra a figura abaixo, a participação do emprego informal no emprego total no Brasil tende a seguir uma curva em forma de U, o que significa que a informalidade está concentrada entre os jovens que estão entrando no mercado de trabalho: 59 por cento entre os jovens de 15 a 19 anos, 40 por cento para aqueles entre 20 e 24 anos e 34 por cento entre os jovens de 25 a 29 anos. Atinge o seu ponto mais baixo entre os adultos com idades compreendidas entre os 30 e os 39 anos (31 por cento) e aumenta novamente para os trabalhadores mais velhos. A alta parcela de jovens trabalhadores informais é explicada pelo fato de que, na ausência de empregos produtivos e formais, a informalidade é muitas vezes a entrada no mercado de trabalho (OIT, 2023), particularmente entre os jovens de famílias de baixa renda e aqueles que não possuem competências relevantes, experiência de trabalho ou ativos produtivos (Chacaltana et al., 2019). Uma análise entre as diferentes formas de trabalho mostra também os elevados níveis de informalidade entre os jovens trabalhadores domésticos[1] e os que trabalham por conta própria[2], o que ilustra a forte ligação entre informalidade e emprego vulnerável. Além disso, observa-se que os homens jovens são levemente mais propensos a estarem em empregos informais do que as mulheres jovens.

Figura 1 - Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua e cálculos do autor

A economia informal também apresenta muitos riscos para os trabalhadores, as empresas e a sociedade em geral. Os trabalhadores informais estão associados a piores perspectivas de trabalho (especialmente para os jovens trabalhadores que iniciam suas carreiras profissionais na economia informal), renda baixa e volátil, condições de trabalho vulneráveis, empregos de baixa produtividade e falta de proteção social. As empresas informais, por outro lado, enfrentam desafios no acesso a recursos financeiros e de produção, bem como a programas de apoio governamental, que dificultam o acesso aos mercados e o crescimento. Esses riscos têm muitos efeitos indesejados na sociedade, na qual uma grande economia informal reduz a capacidade do Estado de investir em recursos produtivos e programas sociais, aumenta a pobreza e a desigualdade em muitas formas e cria uma sociedade fracionada (Salazar-Xirinachs & Chacaltana, 2018).

A Recomendação 204 da OIT (OIT, 2015) endossa a transição da economia informal para a formal como um passo estratégico para promover um ambiente de negócios mais dinâmico e o emprego produtivo e digno para todos, especialmente os jovens. Nesse contexto, o "Programa de Proteção ao Trabalhador" (PPT) no Brasil oferece um exemplo interessante de uma intervenção que visa aumentar a produtividade e formalizar os trabalhadores informais.

A implementação do programa é realizada pelo governo local de Maricá, situado na região metropolitana do Rio de Janeiro. O programa oferece dois tipos de benefícios para incentivar a formalização entre os trabalhadores informais, abrangendo os trabalhadores por conta própria que vivem e exercem suas atividades econômicas em Maricá. Primeiro, o "Benefício de Estímulo à Produção" (BEP) pagará meio salário-mínimo para os beneficiários usarem em suas atividades econômicas. Em segundo, o “Benefício Cota10" servirá como uma conta poupança para os beneficiários do programa e contará com pagamentos mensais feitos pelo governo local iguais a 10 por cento dos ganhos declarados derivados das atividades de trabalho dos beneficiários. Os beneficiários poderão utilizar esta conta vinculada ao programa em determinadas condições, tais como nascimento de filha(o), doença, queda de receitas de pelo menos 50 por cento, ou como garantias de acesso a crédito para as suas atividades econômicas.

O programa está atualmente inscrevendo participantes e deve começar a pagar os benefícios em abril de 2023. Para participar do programa, os trabalhadores informais precisam se formalizar registrando-se como microempreendedor individual (MEI) ou tornando-se um trabalhador cooperado (ou seja, ingressando em uma associação de trabalhadores dentro da mesma categoria). Em seguida, os recém-formais podem se cadastrar para se tornarem beneficiários do PPT, no qual precisarão comprovar que exercem suas atividades profissionais há pelo menos três meses e moram em Maricá. Outras características relevantes do programa são o uso da moeda social de Maricá, denominada "Mumbuca", para o pagamento dos benefícios (Gama & Costa, 2021); a campanha de conscientização do governo sobre a importância da formalização; e a comprovação anual da participação dos beneficiários em programas de desenvolvimento de competências.

 

No entanto, devemos nos perguntar: esses esforços compreensivos para promover a formalização funcionam?

Muitos estudos têm mostrado que os efeitos positivos sobre a formalização se originam de um conjunto de instrumentos políticos para impulsionar o crescimento econômico inclusivo, melhorar e simplificar as regulamentações, gerar incentivos, criar conscientização e melhorar o cumprimento e aplicação das normas (Berg, 2011; Bertranou et al., 2013; OIT, 2014; Chacaltana, 2017; Maurizio & Vásquez, 2019). Da mesma forma, embora limitada, há evidências sobre o efeito positivo de políticas ativas do mercado de trabalho (programas de desenvolvimento de competências, empreendedorismo, serviços de emprego, emprego subsidiado e trabalho público) na formalização entre os jovens, um grupo que requer medidas compreensivas para facilitar a transição para empregos estáveis e satisfatórios (Escudero et al., 2019).

Há pouca evidência sobre incentivos monetários pagos diretamente aos trabalhadores para promover a formalização. No entanto, um experimento recente realizado no México fornece evidências do impacto dos incentivos monetários no emprego formal, especialmente entre os jovens. Abel et al. (2022) testaram um incentivo salarial temporário destinado a incentivar os graduados do ensino médio mexicano a obter e permanecer no emprego formal. O principal argumento dos autores é que os jovens a procura de emprego no México podem ser iludidos por salários mais altos em um momento inicial (de entrada no mercado de trabalho) na economia informal do que na economia formal, quando na verdade o padrão se inverte ao longo do tempo. Por exemplo, os salários formais na amostra do estudo crescem cerca de 25 a 35 por cento nos primeiros seis a doze meses de emprego (impulsionados pela aquisição de competências tanto no trabalho como através de programas de formação), enquanto os salários informais permanecem relativamente constantes. Neste sentido, o experimento ofereceu um benefício de emprego formal temporário (de até seis meses) pago diretamente aos jovens trabalhadores que ascendia a cerca de 20 por cento do salário médio de entrada na economia formal, abordando assim a diferença salarial acima referida entre o emprego formal e informal, assim como o erro de julgamento (ilusão) dos jovens trabalhadores.

Abel et al. (2022) fornecem resultados bastante significativos. O benefício de emprego formal pago aos jovens trabalhadores teve efeitos relevantes e positivos sobre o emprego na economia formal (principalmente provenientes de uma redução da informalidade), aumentou a probabilidade de os jovens fazerem a transição para um contrato de trabalho permanente e não levou a consequências indesejáveis nas decisões dos jovens em deixar a escola.

Os programas no Brasil e no México têm algumas diferenças significativas. No México, incentivos salariais são dados para incentivar os jovens trabalhadores a trabalhar na economia formal.  Enquanto isso, no Brasil, os trabalhadores por conta própria são incentivados a se inscreverem como microempreendedores individuais ou cooperados para que possam usufruir dos benefícios proporcionados pelo programa.  Embora existam algumas semelhanças em relação às economias informais dos dois países (OIT, 2021b), não está claro se o principal argumento de Abel et al. (2022) sobre salários de entrada mais altos na economia informal se aplica ao Brasil.  Apesar disso, ambos os programas compartilham uma abordagem inovadora de usar incentivos monetários pagos diretamente aos trabalhadores para facilitar sua transição e mantê-los na economia formal.

Diante da experiência positiva no México, vale a pena acompanhar a implementação e os resultados do "Programa de Proteção ao Trabalhador" no Brasil, considerando seu potencial de replicação e ampliação.  Ajustes nos custos do programa e a conceção de intervenções complementares eficazes, tais como campanhas de conscientização, programas de desenvolvimento de competências, simplificação do acesso ao crédito e sua combinação com estratégias de criação de empregos serão fundamentais para reter os trabalhadores na economia formal e evitar externalidades negativas.

De qualquer forma, é significativo ver estes tipos de programas serem testados e implementados, especialmente aqueles que visam ou incluem os jovens. Os jovens são um grupo que requer uma atenção especial, uma vez que enfrentam muitas dificuldades para fazer a transição para um emprego digno, e as suas transições iniciais no mercado de trabalho podem deixar efeitos duradouros ao longo do curso de vida.

 

[1] Os trabalhadores domésticos são empregados remunerados que realizam trabalho em ou para uma ou mais famílias particulares (OIT, 2021a). O grupo de "Empregados" inclui funcionários do setor privado e público.

[1] O trabalhador independente inclui empregadores (trabalhadores independentes que tenham empregados trabalhando para eles na sua empresa) e trabalhadores por conta própria (trabalhadores independentes que não tem funcionários) (OIT, 1993).

 

Referências

Abel, Martin; Carranza, Eliana; Geronimo, Kimberly Jean; Ortega Hesles, Maria Elena. Can Temporary Wage Incentives Increase Formal Employment? Experimental Evidence from Mexico (English). Policy Research working paper; no. WPS 10234 Washington, D.C.: World Bank Group.

Berg, J. (2011). Laws or Luck? Understanding Rising Formality in Brazil in the 2000s. Regulating for Decent Work, 123–150. https://doi.org/10.1057/9780230307834_5

Bertranou, F. Casanova, L. & Sarabia, M. (2013). Dónde, cómo y por qué se redujo la informalidad laboral en Argentina durante el período 2003-2012. Research Papers in Economics.

Chacaltana, J. (2017). Peru, 2002-2012: Growth, structural change and formalization. CEPAL Review, 2016(119), 45–64. https://doi.org/10.18356/78b19d57-en

Chacaltana, J., Bonnet, F., & Leung, V. (2019). The Youth Transition to Formality. In https://www.ilo.org/global/docs/WCMS_734262/lang--en/index.htm. International Labour Organization.

Escudero, V., Kluve, J., López Mourelo, E., & Pignatti, C. (2019). Active Labour Market Programmes in Latin America and the Caribbean: Evidence from a Meta-Analysis.

Gama, A., & Costa, R. (2021). The increasing circulation of the Mumbuca social currency in Maricá, 2018-2020. Center for Studies on Inequality and Development (CEDE).

Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (1993). Resolution concerning the International Classification of Status in Employment (ICSE): Fifteenth International Conference of Labour Statisticians. International Labour Organization.

Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2014). Recent experiences of formalization in Latin America and the Caribbean. International Labour Organization.

Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2015). In International Labour Conference, Recommendation concerning the transition from the informal to the formal economy. https://www.ilo.org/ilc/ILCSessions/previous-sessions/104/texts-adopted/WCMS_377774/lang--en/index.htm

Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2021a). Making decent work a reality for domestic workers: Progress and prospects ten years after the adoption of the Domestic Workers Convention, 2011 (No. 189).In https://www.ilo.org/global/topics/domestic-workers/publications/WCMS_802551/lang--en/index.htm. International Labour Organization.

Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2021b). Employment and informality in Latin America and the Caribbean: an insufficient and unequal recovery: Labour Overview Series Latin America and the Caribbean 2021. International Labour Organization.

Organização Internacional do Trabalho [OIT]. (2023). PANORAMA LABORAL 2022: América Latina y el Caribe. In https://www.ilo.org/americas/publicaciones/WCMS_867497/lang--en/index.htm. International Labour Organization.

Maurizio, R. & Vásquez, G. (2019). Formal salaried employment generation and transition to formality in developing countries. The case of Latin America. Research Papers in Economics.

Salazar-Xirinachs, J. M. & Chacaltana, J. (Eds.). (2018). Políticas de Formalización en América Latina: Avances y Desafíos (1st ed.). International Labour Organization.

RELATED RESOURCES

Paulo Da Rocha Maia Fernandes

Youth Employment Intern, 

International Labour Organization 

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13 April 2023

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